Por Hélio Silva de Vasconcelos Mendes Veiga
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INTRODUÇÃO: O IMPERATIVO DE UMA JUSTIÇA À LUZ DO CONHECIMENTO E DOS DIREITOS HUMANOS
A máxima “SAÚDE NÃO É CRIME” não é apenas um lema, mas um chamado urgente à consciência em um cenário onde o Estado, por vezes, criminaliza o que deveria proteger. Este artigo, com base no veredito inequívoco da ciência e do direito, sustenta que criminalizar o cultivo medicinal da cannabis é, fundamentalmente, inconstitucional.
Minha obra “Direito Penal do Inimigo: Inconstitucionalidade dos Crimes de Mera Conduta” (2ª Edição, Editora Juruá), prefaciada pelo então Deputado Federal e atual Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e endossada por eminentes juristas como o Dr. Maurício Silva Leite e o Dr. Antenor Miranda de Campos, mergulha nos limites do poder punitivo estatal. Complementando essa análise, o vindouro “HC Coletivo e o Alívio Legal” (no prelo) oferece as ferramentas jurídicas para contestar essa criminalização. Juntas, essas obras e as vozes que as chancelam delineiam um caminho claro para a revisão de uma política que não se alinha com a saúde, a justiça ou a dignidade humana.
- O VEREDITO DA CIÊNCIA: QUANDO A SAÚDE EXIGE A DESCRIMINALIZAÇÃO
A ciência já proferiu seu veredito: a cannabis possui comprovado valor medicinal. Os estudos e aplicações terapêuticas para diversas condições de saúde – como epilepsia refratária, dores crônicas, Parkinson, e condições oncológicas – são vastos e cada vez mais reconhecidos globalmente. O ato de cultivar uma planta com fins terapêuticos não apenas não gera lesão, mas, pelo contrário, promove a saúde e o bem-estar.
O Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em seu prefácio à minha obra, já apontava para a crucial “intersecção entre as ciências da saúde e o direito penal”. Sua chancela não é apenas um endosso jurídico, mas um reconhecimento de que a criminalização de condutas como o cultivo medicinal da cannabis é um contrassenso sanitário. Padilha, em sua visão crítica, reitera o “fracasso” da guerra às drogas e a necessidade de questionar “o poder punitivo e as construções positivistas” que ignoram a realidade da saúde pública.
A inércia da ANVISA em regulamentar o autocultivo, enquanto permite a importação de produtos caros, cria um abismo entre a necessidade e o acesso. Isso não é uma questão de segurança pública, mas de saúde pública que falha em seu dever de universalidade e equidade.
- O VEREDITO DO DIREITO: A INCONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE MERA CONDUTA NO CONTEXTO DA CANNABIS MEDICINAL
O direito, assim como a ciência, também proferiu seu veredito: criminalizar o cultivo medicinal da cannabis é inconstitucional. A base desse argumento reside na ilegitimidade dos “crimes de mera conduta” quando desprovidos de uma real lesividade social ou de um perigo concreto a bens jurídicos tutelados.
Como meu livro “Direito Penal do Inimigo” aprofunda, e como o Dr. Maurício Silva Leite enfaticamente destaca em sua apresentação, a teoria do Direito Penal do Inimigo, ao focar na “periculosidade do autor” em vez da “lesividade do fato”, conduz a “desequilíbrios sistemáticos e violações à ordem Constitucional”. Criminalizar um paciente que cultiva para seu tratamento é aplicar um “Direito Penal do autor”, ignorando a finalidade terapêutica da conduta. Isso viola a dignidade da pessoa humana, a autonomia individual e o princípio da proporcionalidade.
A crítica do Dr. Antenor Miranda de Campos, que vê a dependência como uma “questão de saúde pública e não de segurança pública”, vinda da academia policial, adiciona uma camada de legitimidade ao argumento jurídico. Se aqueles que atuam na ponta do sistema percebem a inadequação do modelo, a insistência na criminalização se torna insustentável. O saudoso Luiz Flávio Gomes, defendia que “delito é sempre uma violação a direitos de outrem”, reforça que, sem lesão, não há crime justo.
III. O ALÍVIO LEGAL: O HABEAS CORPUS COLETIVO COMO RESPOSTA À INCONSTITUCIONALIDADE
Diante da inconstitucionalidade e da inércia regulatória, o Poder Judiciário, em seu papel de garantidor de direitos, tem sido provocado e, em muitos casos, proferido seu próprio veredito. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, já concedeu salvo-condutos para o cultivo doméstico de cannabis medicinal, reconhecendo a atipicidade penal da conduta quando o fim é terapêutico. O Supremo Tribunal Federal (STF), em debates sobre a descriminalização do porte para uso pessoal, também acena para a inadequação da criminalização sem real lesividade.
É neste cenário que meu livro, “HC Coletivo e o Alívio Legal” (no prelo), se torna um guia essencial. Ele demonstra como o Habeas Corpus Coletivo, reforçado pela recente Lei 14.836/2024, emerge como uma ferramenta jurídica poderosa para assegurar o direito fundamental à saúde e à liberdade, combatendo violações sistemáticas e permitindo que grupos de pacientes obtenham o “alívio legal” necessário para seu tratamento. Não se trata de buscar impunidade, mas de garantir que a lei sirva à vida.
CONCLUSÃO: RUMO A UM BRASIL ONDE SAÚDE É DIREITO, NÃO CRIME
O Brasil precisa se alinhar ao veredito da ciência e do direito. A criminalização do cultivo medicinal da cannabis é um anacronismo, uma injustiça que onera o sistema, frustra pacientes e contradiz os princípios basilares da nossa Constituição. A chancela de Ministro da Saúde Alexandre Padilha à tese de inconstitucionalidade dos crimes de mera conduta é um convite irrefutável para que repensemos essa política.
Digo eu, é tempo de superar o moralismo e a hipocrisia, focando na evidência científica e na dignidade humana. Que o clamor por “SAÚDE NÃO É CRIME” ressoe nos parlamentos, nos tribunais e na sociedade, impulsionando a regulamentação necessária para que todos os brasileiros que necessitam do cultivo medicinal da cannabis possam ter acesso a esse tratamento vital, sem o temor da criminalização. Mutatis mutandis, este é o caminho para uma justiça que realmente serve à vida e ao bem-estar de sua população.
Hélio Silva de Vasconcelos Mendes Veiga. [1]
Procurador, Publicista e Escritor
http://lattes.cnpq.br/1106107571466690
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2010.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 24. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 36. ed. São Paulo: Atlas, 2020.
MENDES VEIGA, Hélio Silva de Vasconcelos. Direito Penal do Inimigo: Inconstitucionalidade dos Crimes de Mera Conduta. 2. ed. Curitiba: Juruá, [2023].
MENDES VEIGA, Hélio Silva de Vasconcelos. HC Coletivo e o Alívio Legal, [no prelo].
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
[1] Hélio Silva de Vasconcelos Mendes Veiga, Pós graduado pela (FDDJ), Especialização em Direito Internacional e Direito Penal Especial no Centro Salesiano de São Paulo, Parecerista, atual Procurador Jurídico no Município de Mogi Guaçu – SP, Publicisa e Escritor com inúmeras obras publicadas, LATTES CNPQ: http://lattes.cnpq.br/1106107571466690